O presente estudo Perspectivas Pluriversais: A Poética de Relações de Clarice Lispector analisa a atualidade do pensamento da escritora brasileira no contexto contemporâneo interdisciplinar da Virada não-humana, com foco em vertentes do pós-humanismo, do neomaterialismo e da etnografia amazônica, dentre outros estudos pontuais em física e biologia. Partindo do pressuposto da impossibilidade de classificação unívoca de um grupo de textos como A paixão segundo G.H., Água Viva, A Descoberta do Mundo e Um Sopro de Vida, o trabalho propôs o termo entrescrita para analisar sua confluência sui generis de gêneros discursivos, definindo Lispector como uma escritora fictocrítica avant la lettre. A análise parte da desconstrução do conceito renascentista e moderno de “humano” operada na obra de Lispector, demostrando como este se estende ao conceito de pessoa no sentido das cosmologias ameríndias. Verificamos em sua escrituração um modus operandi que possibilita um diálogo produtivo com o perspectivismo multinaturalista de Eduardo Viveiros de Castro, de tal forma a configurar uma espécie de antropofilosofia. Desta reformulação, a escrita clariciana assume uma dimensão neo-materialista radical, pois atribui capacidade de inteligência e agentividade a seres não-humanos mínimos, teorizando literária e pós-humanisticamente a imbricação entre o material e o discursivo, prefigurando e complementando a teoria da intra-atividade da física Karen Barad. O projeto dialético de Lispector de reversão de narrativas canônicas como a religiosa e a científica enceta uma ferrenha crítica ao pensamento moderno, no sentido de Bruno Latour. Entendida na esteira da antropologia de Marylin Strathern, a noção de relação, tanto em nível interespecífico quanto discursivo interdisciplinar, permitiu nossa análise verificar a fecundação de um pensamento tentacular na obra da escritora brasileira, tal qual o conceito simpoiético de Donna Haraway. O termo “místico”, caro à sua fortuna crítica, foi ressignificado nesta pesquisa a partir de seu sentido etimológico de uma contiguidade humano/animal. Em seu desejo por convivência e aprendizado simbióticos e simétricos com alteridades terrestres, emergente de sua sensação de incompletude, identificamos na obra de Lispector uma nostalgia interespecífica positiva que dialoga com mitos ameríndios e anseia por uma ampliação de saberes corporais localizados. Nossa releitura de Clarice Lispector evidencia como sua escritura une discurso teórico e literatura, aprimorando o entendimento de relações interespecíficas e criando uma espécie de ontoética pós-antropocêntrica que nos faz voltar à pluralidade cosmogônica da existência e repensar nosso papel na configuração de uma postura mais inteligente e pluralista com outras espécies companheiras. Destarte, constamos o potencial de sua literatura de ampliar o paradigma dominante (antropocêntrico) do pensamento contemporâneo.
Summary This dissertation Perspectivas Pluriversais: A Poética de Relações de Clarice Lispector analyzes the relevance of Brazilian Clarice Lispector's thinking within the contemporary interdisciplinary context of the Nonhuman Turn with a focus on various trends of posthumanism, neo-materialism and Amazonian ethnography as well as specific studies in physics and biology. Based on the impossibility of a clear classification of texts by the Brazilian writer such as A Paixão Segundo G.H., Água Viva, A Descoberta do Mundo and Um Sopro de Vida, this work proposes the term entrescrita due to the sui generis convergence of discursive genres in her work. Because of this, my dissertation shows that we must perceive Lispector as a fictocritical writer avant la lettre. The analysis starts from the deconstruction of the concept of human (“humano”) in the sense of the Renaissance and the Modern, and shows how it extends it to the concept of the person (“pessoa”) in the sense of Amazonian cosmologies. In her texts we recognize a modus operandi which leads us to a productive dialogue with the perspectivism of Eduardo Viveiros de Castro and which we therefore define as philosophical anthropology (“antropofilosofia”). In redefining the term “person,” Lispector's texts assume a radical neo-materialistic dimension because they attribute the ability of “agency” to tiny non-human beings. Thus she creates a literary and posthumanist link between matter and language that in a sense anticipates and complements the theory of intra-activity of physicist Karen Barad. We recognize in Lispector's dialectical project of reversing canonical discourses in the fields of religion and science an anticipated parallel to the critique of “modern thought” in Bruno Latour’s sense of the term. In doing so, she creates complex relationships between humans and non-humans as well as between fictional and non-fictional discourses, which we can interpret in the context of the anthropology of Marylin Strathern and the tentacular thinking of Donna Haraway. This dissertation redefines the term “mystical”, which is fundamental to Lispector’s critical reception, through its etymological sense of the inseparability of humans and animals. In the desire for symbiotic and symmetrical coexistence and for learning with earthly alterity arising from the state of incompleteness in the author's work, we recognize a positive interspecific nostalgia that is in dialogue with Amazonian myths and strives for bodily situated knowledges. Our new reading of Clarice Lispector's work shows how her writing unites literary and theoretical presentation, reinforcing the understanding of interspecific relationships and creating a pluralistic, post-anthropocentric ontoethics towards other companion species, and thus has the potential to broaden the dominating (anthropocentric) paradigm in contemporary thinking.
Zusammenfassung Die vorliegende Dissertation Perspectivas Pluriversais: A Poética de Relacões de Clarice Lispector analysiert die Aktualität von Clarice Lispectors Denken im zeitgenössischen interdisziplinären Kontext des nonhuman turn mit dem Schwerpunkt auf verschiedene Richtungen des Posthumanismus, des Neomaterialismus und der amazonischen Ethnographie sowie auf spezifische Studien in Physik und Biologie. Ausgehend von der Unmöglichkeit einer eindeutigen Klassifikation von Texten der brasilianischen Schriftstellerin wie A Paixão Segundo G.H., Água Viva, A Descoberta do Mundo und Um Sopro de Vida, schlägt diese Arbeit aufgrund der darin betriebenen sui-generis-Konvergenz der diskursiven Genres den Begriff entrescrita vor und stellt fest, dass wir Lispector als eine fiktokritische Schriftstellerin avant la lettre wahrnehmen müssen. Die Analyse geht von der in ihren Texten präsenten Dekonstruktion des Begriffs des Menschen („humano“) im Sinne der Renaissance und der Moderne aus und zeigt wie sie diesen um den Begriff der Person („pessoa“) im Sinne der amazonischen Kosmologien erweitert. Dabei erkennen wir in ihren Texten einen modus operandi, der uns zu einem produktiven Dialog mit dem Perspektivismus von Eduardo Viveiros de Castro führt und den wir deshalb als philosophische Anthropologie („antropofilosofia“) definieren. Bei ihrer Neudefinition des Begriffs „Person“ nehmen Lispectors Texte eine radikale neomaterialistische Dimension an, weil sie winzigen nicht-menschlichen Wesen die Fähigkeit der Intelligenz („agency“) zuschreiben. Somit entwirft sie eine literarische und posthumanistische Verknüpfung zwischen Materie und Sprache, die in gewissem Sinne die Theorie der Intra-Aktivität der Physikerin Karen Barad antizipiert und ergänzt. Wir erkennen in Lispectors dialektischem Projekt der Umkehrung kanonischer Diskurse wie in religiösen und wissenschaftlichen Bereichen eine vorweggenommene Parallele zur Kritik des modernen Denkens im Sinne des Begriffes von Bruno Latour. Dabei schafft sie vielschichtige Beziehungen sowohl zwischen Menschen und Nicht-Menschen als auch zwischen fiktionalen und nicht-fiktionalen Diskursen, die wir im Kontext der Anthropologie von Marylin Strathern und des „tentakelartigen Denkens“ nach Donna Haraway interpretieren können. Diese Arbeit definiert den Begriff „mystisch“, der für die kritische Rezeption der Schriftstellerin grundlegend ist, anhand seines etymologischen Sinns einer Untrennbarkeit von Mensch und Tier neu. In Lispectors Verlangen nach einer symbiotischen und symmetrischen Koexistenz und nach einem Lernen mit irdischen Alteritäten, das aus dem Zustand der Unvollständigkeit im Werk der Autorin entsteht, erkennen wir eine positive „interspezifische Nostalgie“, die im Dialog mit amazonischen Mythen steht und nach einem körperlich verorteten Wissen strebt. Unsere neue Lektüre des Werks von Clarice Lispector zeigt, wie ihr Schreiben literarische und theoretische Darstellungen vereint und dabei das Verständnis interspezifischer Beziehungen verstärken kann sowie eine pluralistische, post-anthropozentrische Ontoethik gegenüber anderen Artgenossen hervorbringt und so das Potenzial hat, das herrschende (anthropozentrische) Paradigma im zeitgenössischen Denken zu erweitern.